segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Conto na íntegra

Você vai dançar comigo? Esperei tantos dias, você nunca chegava. Que dia você vai me levar pra sair? Quando a gente vai jantar fora? Amanhã? Ah, era tão bom quando a gente saía junto! Olhar a lua, ficávamos abraçados horas, você está prestando atenção? Você sempre diz isso. Quando a gente vai voltar a sair e se divertir? Quando a gente vai sair para dançar outra vez? Você vai dançar comigo ou não? Você sempre diz essas coisas. Vou colocar aquele vestido vermelho, bem vermelho, com o decote atrás. Você quer ver o vestido? Você que me deu o vestido, não se lembra? Você nunca se lembra. Foi no ano passado, no nosso aniversário. Era domingo, fazia sol. A gente dançou! Quero tanto dançar, você me leva? Quando você me leva? Você está me ouvindo? Você sempre faz essas coisas. E o vestido vai combinar com os sapatos pretos que você me deu ontem. Você gosta? Você nunca diz que gosta. Mas a gente dançará muito, não dançará? Você vai usar o que? Vai ficar bonito no terno do nosso casamento? E a gente dançará na rua também? A gente vai poder dançar aqui na sala, antes de sair, como quando você ia me buscar pra dançar? A gente podia dançar na cozinha também, a gente nunca dança na cozinha nem em lugar nenhum! Você podia fazer isso amanhã! Amanhã? Você precisa me levar pra dançar, me leva amanhã. Você está me escutando?



Em breve, livro na íntegra!

não deixem de acompanhar!

sábado, 28 de agosto de 2010

as bombas caíram...

"Na mão do outro, o ventre era como sérias serpentes rosa-lombrigadas. Eram móveis cordas em vermelho-rosa que aumentavam e diminuíam de tamanho na mão do outro que as segurava. O rosto do outro já não era o não-velho e o não-novo. Era calvo, de cabelos pretos e dentes enegrecidos que se abriam para engolir as serpentes.

Enquanto, lenta, a boca abria entre o azul-marrom, a menina-mulher riu de cabeça inteira, voltando a cabeça de si para contra-si. A culpa é minha!

A boca do calvo comeu as serpentes com as mãos ávidas de vontade, deixando o vermelho-mais-que-rosa escorrer abundante pelo queixo. Ao mastigar, a boca produzia outro silêncio quase de vogais."

em breve, texto na íntegra!

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Está chegando, está chegando, como um ladrão, um rato, um carro guiado por um bêbado

Em breve, muito em breve, o blog QU4RTO DESAMP4RO deixará de ser uma sala de fragmentos de textos e se tornará uma sala de leitura. O livro QU4RTO DESAMP4RO, segundo de minha carreira, espera ansioso pela publicação em pdf, em festa virtual.

Enquanto isso, aproveitem os textos aqui postados. Curtam os cacos dos textos. Em poucos dias, vocês poderão montar o mosaico em casa, no celular, no leitor digital, na projeção, no lugar que quiserem e do jeito que escolherem.

Boa leitura e aproveitem os pedaços de QU4RTO DESAMP4RO.

em outro apartamento...

"Foi ao banheiro e no espelho barato com borda vermelha ela se ria de dentes largos-sujos de restos de pão.

O quarto era estranho: parecia uma grande revista. Figuras coloridas de sorrisos e dentes de crianças e tulipas amarelas e amassadas. Uma cama de madeira escura, um colchão de espuma fino mostarda-opaco, um lençol xadrez-verde-vestido rasgado e encardido, uma rachadura do lado direito, preta-infiltração, um teto-mancha, uma janela alumínio-gasto com vidros fosco-gordura.

A cidade: espaço entre dois prédios recheados de janelas como rosas."

pai, filho...

"Havia sido resolvido. À noite, ele daria a notícia.

Ela foi para o quarto.

Sentados, pai e filho entreolharam-se distantes como desconhecidos. O pai, ainda com candura, sentira no ar o tremor das palavras antes de serem ditas. Pendeu os olhos. Resolvi, pai. Resolvi.

Lágrimas rolaram frias, cinzas e silenciosas no ar. Formavam uma poça no chão. Para quando? Amanhã.

O pai deitou-se cedo. A cabeça branca, cansada, pousou-se lentamente no travesseiro encardido, quase cinza. Ia ser a última noite em seu colchão de molas velho dentro do infinito da memória. Um corpo manteve-se inerte à espera de alguma cor na aurora. "


fiquem atentos!


em breve, QU4RTO DESAMP4RO na íntegra!

um menino, uma borboleta...

"Ela riu com uma claridade farta. O menino respirava forte, de bermuda de algodão-grosso-marrom-biscoito. Sorriu! A cor subiu e iluminou mais forte o contraste-azul-lambuzado. Trouxe o amarelo-ovo sobre os dois e intensificou o vermelho-ferrugem do chão. Intensificou a cor da janela, o vermelho-unhas da morena, cheio de gestos.

O menino seguiu as cores que lhe convidavam para a aquarela. Uma voz cortou o ar, fazendo-o colorir os degraus da porta por sobre um mendigo. Entrou na casa, a morena estendeu-lhe a mão e lhe guiou para, entre, pelo fundo corredor."

A moça com sapatos vermelho-fogão...

"No meio do largo, a moça entre, através, portou-se pronta. Detrás da árvore é o infinito sem sol. De lá, sai a mordedura que se espessa.

Não pisa, a mordedura, com a graça coadjuvante de calcanhares no estômago. O passo-pressa nem tem tempo de enfim. Vai por, sobre, até.

A moça, posta, em verde-pimentão-cozido, abre o vestido para a mordedura. No campo, os olhos dos dentes são a não-sombra do infinito.

Os olhos olham o tudo em volta sem profícuos atos. Ouvem vozes, mas não suspendem o ataque mar afora. Olham o azul-veia da tarde por detrás, entre, através de soltos cabelos. Vêem o verde-alface o verde-repolho o verde-couve o verde-louro o verde-oliva o verde-garrafa da tarde em contraste com a mulher que já suspende pronta sem verde."

A mulher-amarelo-envelope...

"A mulher-amarelo-envelope entra sozinha no branco-chantili. A tarde parda olha a cena da janela do banheiro enegrecido onde a luz que erradia é de pêlos claros rentes da curva-negra divisiva.

Molhada de esperma esbranquiçado, viscoso branco-chantili, ela se banha na espuma em que entra, desatenta, com unhas carmim na louça encardida: o arrepio das costas de quando joelhos repolhudos tocam a água fria, o cheiro de sabão no branco que se expande por todos os lugares."


em breve, todos os textos na íntegra no livro Qu4rto desamp4ro


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Tarde da noite...

"Resolveu desmontar aquela imagem, buscar o que seria primordial já que era o primeiro dos viventes, completamente só. Com as mãos, fazia derreter tudo o que ali existia. Os traços e as máscaras tornavam-se cicatrizes e as cicatrizes tornavam-se outra coisa, confusa, distinta, que precisava ser também apagada. Viu todos os homens e todas as mulheres. Todas as etnias e todas as civilizações. Viu tudo que existiria depois do homem primordial. Tudo retrocedeu na figura de seu rosto e chegou a um compacto e inconcebível nada.

Foi possível então ouvir um surdo som de agonia que saia, gutural, pela boca que não mais existia. Aquele era também o som elementar, o som antes de todos os homens, antes de tudo: urros de dor em silêncio, de forma seqüencial e alternada.

Quando o homem acreditou ter chegado ao ponto máximo depois de tudo, percebeu que seria infinda a busca e que nada desapareceria por debaixo do que foi desfeito, debaixo dos urros e dos surdos berros, dos rostos que se entreolharam desfeitos e exaustos por milênios. Tornou a fechar forte os olhos. Foi aí que percebeu que estava de novo em pé, num elevador."


em breve, lançamento de QU4RTO DESAMP4RO! Não percam!


a mulher-azul...

"O vento azul-comfort soprou mais forte. As imagens se montavam confusas. Lembrou-se do primeiro dia de aula, do primeiro beijo, do casamento dos amigos. Lembrou-se do primeiro emprego, do primeiro vestido e do primeiro porre, do cigarro escondido e das noites de frio, sozinha com seu cobertor. Lembrou-se de que todos os dias, há anos, fazia a mesma coisa. Que todos os dias se banhava, se vestia, saía e voltava para dormir. Que aos sábados, longos sábados que não acabavam mais, assistia à televisão entre um sono e um entre sono. Nada de telefonemas e que, quando saía com amigos, era sempre igual. Há anos ela dormia com homens-sem-cor de vez em quando e era vazio. Homens que ligavam, não ligavam, roncavam ou não. Uns prometiam o mundo, outros lhe davam o silêncio e ela usava a todos. Tudo um rio-preto-viscoso banhado por forte amarelo-fubá."


Em breve, na íntegra, em QU4RTO DESAMP4RO, que será lançado neste blog.


Era a primeira vez que via...

"Viu tudo laranja-angústia, até o sono que custou a chegar. Na cabeça, a cada instante, a cena laranja se repetia de forma mais intensa. Laranja o mendigo que ele nunca notara, o mendigo que gemia, o olhar laranja da morena. Como um carrossel que acelera e confunde formas, a noite foi um conjunto laranja-intenso."


de um dos contos de QU4RTO DESAMP4RO. Em breve, na íntegra.

Era: sei...

"O vento trouxe o calor da manhã, um calor incomum, colorido, como uma exposição sem ruído com cacos de coisas. Como se as cores do mundo já não mais fossem capazes de responder às necessidades de mim quando me perco em paredes. O sonho de um desespero que se prende num átimo de mão machucada, num gosto de noite, de frio da hora.

É tamanho o que era. Era carne de sabão, dia de domingo. Era silêncio, escuro, sobra. Era pele? Era vermelho em rodopio. A vida comum e recorrente como a compra."


em breve, livro na íntegra!

Aguardem e aproveitem os fragmentos!






...ainda no apartamento de subúrbio...

"Ela tremia num sentimento que não entendia. Queria sair, deixá-lo, deixar aquele lugar imundo e ir para rua. Dormiria debaixo da ponte, na casa de alguém, num puteiro se fosse preciso. Mas algo a retia ali, perto dele, e ela não sabia o que era. Talvez o sentimento maternal. Talvez um resto de amor ao seu marido. Talvez uma esperança, uma esperança de que ele levantaria a bunda daquele sofá e que lhe viesse pedir desculpas, passar-lhe a mão pela cintura, juntar seu corpo no dela e dizer palavras doces. Mas ele não era homem dessas regalias. Não mais. Quando no início os dois se abraçavam era diferente. Ele lhe dava flores, dessas que nascem sem propósito nos meio-fios, dizia palavras moles ao pé do ouvido. Era perfumado, de camisa branca limpa, lavada, com cheiro de Comfort."


em breve, texto na íntegra!


aguardem!

"Num apartamento de subúrbio...

"Ela se levantou. Não sentia mais atração pelo marido. Olhou o peito dele nu, camisa aberta, com um ralo pêlo que já lhe fora atraente. Olhou as mãos do homem que já a segurou com desejo. Olhou os cabelos em que seus dedos já se perderam tantas noites. As mãos passaram a tremer, os olhos fumegaram, a boca crispou. Ameaçou cuspir, deu um tapa na coxa na falta de outro reflexo. Andou muda até diante dele."

Em breve, o livro na íntegra!
Aguardem!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Em breve

Em alguns dias, neste blog, será lançada a cópia virtual do livro QU4RTO DESAMP4RO, de Danilo Barcelos Corrêa, cheio de cores e de de novas texturas. Com a falência e a sempre-fome dos bombardeios. Com a realidade compacta das vidas comuns e recorrentes como a compra.

Aguardem!